Tuesday, September 22, 2009
Thursday, September 17, 2009
CASA NOVA!
Este é meu último post por aqui.
E posso dizer que já sinto falta desse lugar.
Está certo que estou indo para uma residência própria,
num endereço só meu, que tem meu nome e minha cara.
Mesmo assim, deixar de colocar palavras
aqui faz em mim saudade imediata.
Estranho porque há tempos venho querendo me mudar.
Andei pesquisando outros lugares, outras cores, identidade.
Mas agora que minha casa lá está toda pronta,
do jeitinho que eu queria, parece-me impossível abandonar isso tudo.
O ambiente e todas essas histórias.
É a minha vida descrita, inventada e reinventada.
Dia-dia. São meus amores, minhas dores e alegrias.
Minhas crenças. Poesia.
Estou fechando esta porta daqui,
indo para uma casa maior, mais confortável.
Mas tenho meu coração apertado.
Assim é a vida...
Ao menos esta minha dor no peito
fez lembrar do dia em que papai decidiu que sairia
do ponto comercial que herdou de meu avô.
Na rua da Penha, 534.
Onde vivemos quando crianças.
Onde antes de ser a loja de roupas, ele vendia bolsas.
Onde nasci. Cresci. E mostrava-me mal humorada,
sentada na escada, perto da hora de todos os almoços.
Até quase os quinze anos.
Quando e onde fomos felizes.
Tristes também, eu sei.
Mesmo assim foi um parto deixar aquele espaço.
As paredes sujas de nós.
O corredor onde havia nossas medidas.
Marina – 1.18m
Francisco – 1.05m
Luiza - 0.83m
Numa época em que parecíamos inseparáveis.
Mas assim é a vida...
Difícil e perdoável.
Papai e eu sofremos para deixar nossas memórias.
Passadas a limpo então... Doem demais.
Para tanto, aprendi desde cedo
que se cavarmos um buraco profundo e
jogarmos as memórias lá dentro, da-se assim um jeito.
O nosso jeito! Com terra e adubo.
E quando perto da superfície, se jogarmos sementes novas,
de flores e cores jamais vistas. A casa fica bonita!
Regando e cuidando sem pressa.
Esperando pacientemente a hora da colheita chegar.
Tudo da certo. Por isso,
anotem meu novo endereço
www.luizapannunzio.com
É para lá que levo meu coração apertado.
Onde há espaço de sobra e milhares de
páginas imaginárias em branco,
para preencher, pintar, recortar e desenhar.
Onde plantei uma árvore imensa com raízes bem forte.
Para que a dor da separação demore a chegar.
Outra vez.
Espero a visita de todos vocês.
um beijo
Lu Pannunzio
Thursday, September 10, 2009
Não gostou? Reclame com ele!
CONTARDO CALLIGARIS
Casamentos possíveis
--------------------------------------------------------------------------------
Em geral, a gente casa com a pessoa certa: com quem podemos culpar por nossos fracassos
--------------------------------------------------------------------------------
UMA DAS boas razões para se casar é a seguinte:
uma vez casados, podemos culpar o casal por boa
parte de nossas covardias e impotências.
O marido, por exemplo, pode responsabilizar mulher,
filhos e casamento por ele ter desistido de ser o
aventureiro que ainda dorme, inquieto, em seu peito.
A decepção consigo mesmo é menos amarga quando é
transformada em acusação: "Você está me impedindo
de alcançar o que eu não tenho a coragem de querer".
Essas recriminações, que disfarçam nossos fracassos,
não são unicamente masculinas.
Certo, os homens são quase sempre assombrados por
impossíveis devaneios de grandeza -como se algum
destino extraordinário e inalcançável já tivesse
sido sonhado para eles (e foi mesmo, geralmente
pelas suas mães). Diante de tamanha expectativa,
é cômodo alegar que o casal foi o impedimento.
As mulheres, inversamente, seriam mais pé-no-chão,
capazes de achar graça nas serventias do cotidiano.
Por isso mesmo, aliás, elas encarnariam facilmente,
para os homens, os limites que a realidade impõe aos
sonhos que eles não têm a ousadia de realizar.
Agora, as mulheres também sonham. Há a dona de casa
que acusa o marido, os filhos e o casamento por ela
ter desistido de outra vida (eventualmente, profissional),
que teria sido fonte de maiores alegrias. E há, sobre tudo,
para muitas mulheres, um sonho romântico de amor avassalador
e irresistível, do qual, justamente, elas desistem por
causa de marido, filhos e casamento.
Com isso, d. Quixote se queixa de que sua mulher esconde
seus livros de cavalaria e o impede de sair à cata de
moinhos de vento. E Madame Bovary se queixa de que seu
marido esconde seus livros de amor e a impede de sair
pelos bailes, à cata de paixões sublimes e elegantes.
Pena que raramente eles consigam ter os mesmos sonhos.
Um problema é que os sonhos dos homens podem ser de
conquista, mas dificilmente de amor, pois eles derivam
diretamente das esperanças que as mães depositam em seus
filhos, e, claro, uma mãe pode esperar que seu rebento
varão seja um dom-juan, mas raramente esperará ser
substituída por outra mulher no coração do filho.
Não pense que esse fogo cruzado de acusações seja causa
recorrente de divórcio. Ao contrário, ele faz a força
do casamento, pois, atrás da acusação ("É por sua causa
que deixei de realizar meus sonhos"), ouve-se: "Ainda
bem que você está aqui, do meu lado, fornecendo-me assim
uma desculpa -sem você, eu teria de encarar a verdade,
e a verdade é que eu mesmo não paro de trair meus próprios sonhos".
Ou seja, em geral, a gente casa com a pessoa "certa":
a que podemos culpar por nossos fracassos.
E essa, repito, não é uma razão para separar-se.
Ao contrário, seria uma boa razão para ficar juntos.
Quando a coisa aperta, não é porque sonhos e
devaneios teriam sido frustrados "por causa do outro",
mas pelas "cobranças", que, elas sim, podem se revelar insuportáveis.
Um exemplo masculino. Uma mulher me permite acreditar
que é por causa dela que eu não consigo ser o que quero:
graças a Deus, não posso mais tentar minha sorte no garimpo
agora que tenho esposa, filhos e tal. Até aqui, tudo bem.
Como compensação pelos sonhos dos quais eu desisti,
passo as tardes de domingo afogando num sofá e soltando
foguetes quando meu time marca um gol, mas eis que, no meio do jogo,
minha mulher me pede para brincar com as crianças ou para ir até
à padaria e comprar o necessário para o café - logo a mim,
que deveria estar explorando as fontes do Nilo ou negociando
a paz entre os senhores da guerra da Somália.
Essa cobrança, aparentemente chata, poderia salvar-me da
morosa constatação do fracasso de meus sonhos e das ninharias
com as quais me consolo. Talvez, aliás, ela me ajudasse a
encontrar prazer e satisfação na vida concreta, nos afetos
cotidianos. Mas não é o que acontece: o que ouço é mais uma
voz que confirma minha insuficiência.
À cobrança dos sonhos dos quais desisti acrescenta-se a
cobrança de quem foi (ou é) "causa" de minha desistência e
razão de meu "sacrifício": "Olhe só, mesmo assim, ela não
está satisfeita comigo." Em suma, não presto, nunca,
para mulher alguma -nem para a mãe que queria que eu fosse
herói nem para a esposa para quem renunciei a ser herói.
E a corda arrebenta.
O ideal seria aceitar que nosso par nos acuse de seus fracassos e,
além disso, não lhe pedir nada. Difícil.
ccalligari@uol.com.br
Casamentos possíveis
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Em geral, a gente casa com a pessoa certa: com quem podemos culpar por nossos fracassos
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UMA DAS boas razões para se casar é a seguinte:
uma vez casados, podemos culpar o casal por boa
parte de nossas covardias e impotências.
O marido, por exemplo, pode responsabilizar mulher,
filhos e casamento por ele ter desistido de ser o
aventureiro que ainda dorme, inquieto, em seu peito.
A decepção consigo mesmo é menos amarga quando é
transformada em acusação: "Você está me impedindo
de alcançar o que eu não tenho a coragem de querer".
Essas recriminações, que disfarçam nossos fracassos,
não são unicamente masculinas.
Certo, os homens são quase sempre assombrados por
impossíveis devaneios de grandeza -como se algum
destino extraordinário e inalcançável já tivesse
sido sonhado para eles (e foi mesmo, geralmente
pelas suas mães). Diante de tamanha expectativa,
é cômodo alegar que o casal foi o impedimento.
As mulheres, inversamente, seriam mais pé-no-chão,
capazes de achar graça nas serventias do cotidiano.
Por isso mesmo, aliás, elas encarnariam facilmente,
para os homens, os limites que a realidade impõe aos
sonhos que eles não têm a ousadia de realizar.
Agora, as mulheres também sonham. Há a dona de casa
que acusa o marido, os filhos e o casamento por ela
ter desistido de outra vida (eventualmente, profissional),
que teria sido fonte de maiores alegrias. E há, sobre tudo,
para muitas mulheres, um sonho romântico de amor avassalador
e irresistível, do qual, justamente, elas desistem por
causa de marido, filhos e casamento.
Com isso, d. Quixote se queixa de que sua mulher esconde
seus livros de cavalaria e o impede de sair à cata de
moinhos de vento. E Madame Bovary se queixa de que seu
marido esconde seus livros de amor e a impede de sair
pelos bailes, à cata de paixões sublimes e elegantes.
Pena que raramente eles consigam ter os mesmos sonhos.
Um problema é que os sonhos dos homens podem ser de
conquista, mas dificilmente de amor, pois eles derivam
diretamente das esperanças que as mães depositam em seus
filhos, e, claro, uma mãe pode esperar que seu rebento
varão seja um dom-juan, mas raramente esperará ser
substituída por outra mulher no coração do filho.
Não pense que esse fogo cruzado de acusações seja causa
recorrente de divórcio. Ao contrário, ele faz a força
do casamento, pois, atrás da acusação ("É por sua causa
que deixei de realizar meus sonhos"), ouve-se: "Ainda
bem que você está aqui, do meu lado, fornecendo-me assim
uma desculpa -sem você, eu teria de encarar a verdade,
e a verdade é que eu mesmo não paro de trair meus próprios sonhos".
Ou seja, em geral, a gente casa com a pessoa "certa":
a que podemos culpar por nossos fracassos.
E essa, repito, não é uma razão para separar-se.
Ao contrário, seria uma boa razão para ficar juntos.
Quando a coisa aperta, não é porque sonhos e
devaneios teriam sido frustrados "por causa do outro",
mas pelas "cobranças", que, elas sim, podem se revelar insuportáveis.
Um exemplo masculino. Uma mulher me permite acreditar
que é por causa dela que eu não consigo ser o que quero:
graças a Deus, não posso mais tentar minha sorte no garimpo
agora que tenho esposa, filhos e tal. Até aqui, tudo bem.
Como compensação pelos sonhos dos quais eu desisti,
passo as tardes de domingo afogando num sofá e soltando
foguetes quando meu time marca um gol, mas eis que, no meio do jogo,
minha mulher me pede para brincar com as crianças ou para ir até
à padaria e comprar o necessário para o café - logo a mim,
que deveria estar explorando as fontes do Nilo ou negociando
a paz entre os senhores da guerra da Somália.
Essa cobrança, aparentemente chata, poderia salvar-me da
morosa constatação do fracasso de meus sonhos e das ninharias
com as quais me consolo. Talvez, aliás, ela me ajudasse a
encontrar prazer e satisfação na vida concreta, nos afetos
cotidianos. Mas não é o que acontece: o que ouço é mais uma
voz que confirma minha insuficiência.
À cobrança dos sonhos dos quais desisti acrescenta-se a
cobrança de quem foi (ou é) "causa" de minha desistência e
razão de meu "sacrifício": "Olhe só, mesmo assim, ela não
está satisfeita comigo." Em suma, não presto, nunca,
para mulher alguma -nem para a mãe que queria que eu fosse
herói nem para a esposa para quem renunciei a ser herói.
E a corda arrebenta.
O ideal seria aceitar que nosso par nos acuse de seus fracassos e,
além disso, não lhe pedir nada. Difícil.
ccalligari@uol.com.br
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Friday, September 04, 2009
Wednesday, September 02, 2009
Contratempo.
Ela estava tão alegre que sentia vergonha.
Na rua, disfarçava. Tampando a boca para que ninguém visse
o quanto estava rindo à toa.
Sentia culpa por estar feliz.
_Como assim, feliz?
Não tem o menor cabimento...
Não queria chamar atenção por esta razão.
Logo ela, cética.
Logo aquela que sempre achou a vida penosa demais.
Agora andava por aí, sorrindo largo.
Não acreditava nessa possibilidade, nem nas pessoas.
Ela não tinha crença alguma e
zombava de toda e qualquer esperança.
Era dura.
Feito pedra.
Amarga igual remédio.
Sentia falta de ar,
mas também não fazia tanta questão
em respira as impurezas da cidade.
Conformada com sua teoria de que as
pessoas dão aquilo que podem dar,
estava acomodada com tudo ao seu redor.
Num tanto faz, num leva e traz, no chove não molha.
Esperando a vida passar aos finais de semana.
Despreocupada com o tempo, com o vento,
saía sempre sem o guarda-chuva e o casaco.
Molhava-se e mesmo assim era incapaz
de perceber as horas. Mesmo passando frio
ou tendo que colocar as roupas no varal
que ficava numa pequena varanda em um
também pequeno apartamento.
Onde ela vivia só.
Triste em seu quarto, lendo o livro que
escolhera demoradamente nas prateleiras
da livraria que freqüentava.
Até que um dia, lá na livraria,
ela escolhia mais um romance para
viver em palavras quando uma mão maior
que a sua pegou o objeto retangular em questão.
A capa era amarela.
Estavam bem próximos um do outro
e ele percebeu que ela estava desejando-o.
Não a ele, mas o livro que carregava.
_Desculpe, qual o seu nome?
_Por que?
_É realmente, me perdoe, não quero ser invasivo.
Gostaria de saber seu nome...
_Ana.
_Oi Ana, vi que você ficou...
Bem, como vou te dizer... É...
Você por acaso estava querendo este livro aqui?
(disse isso chacoalhando o livro em sua frente,
como se ela fosse um cachorro e o livro um enorme osso).
Irrefutavelmente ela só balançou a cabeça num não.
Os cabelos dele, despenteados prendiam
os olhos dela, bem no alto.
Vestia camisa xadrez, jeans e all star azul.
Ela também, xadrez, jeans e all star vermelho.
Mesmo observando todos os detalhes nele,
que tinha sardas nas orelhas por exemplo
e que elas também habitavam seu cotovelo,
Ana preferiu ignorá-lo.
_Ah, ok. Acho que me enganei.
E quando ele já virava de costas ouviu um:
_Não...
_Hã?
_É verdade, este seria o meu livro escolhido de hoje.
Mais pela cor. Sabe, ainda não li a orelha,
então acho que tudo bem, posso não querê-lo.
Eu viverei sem ele. Lógico, já tenho idade suficiente
para saber que vou sobreviver e
acho até que eu não iria gostar muito...
Então pode ficar, é isso, é seu, todo seu...
_Calma querida, está nervosinha?
Teve um mal dia ou você é assim sempre?
Espere, deixe-me falar! Com calma, sim?!
Ele disse isso num sorriso apreensivo e engatou
logo após um suspiro longo.
_Então... Faremos assim, vou comprá-lo
porque este é também o meu escolhido,
também pela cor, enfim...
Você me passa seu telefone que assim
que eu terminar de ler, te empresto.
_Sei. E quando será isso?
_Logo, quero te ver logo...
Ela sorriu. Pegou uma caneta
(sempre tinha uma na bolsa) e
escreveu na contra capa do livro amarelo seu telefone.
Saiu em seguida, meio descrente.
Segurou com dureza a felicidade que queria
sair de dentro do peito. Afinal, não acreditava
em nada daquilo que o frio na barriga tentava alertar.
Há quem ache até que foi uma cena de puro desprezo.
Assim me confidenciou um dos funcionários
da livraria que assistiu a tudo de longe,
torcendo para ela amolecer, adoçar e se entregar.
Não sabe ele que desde o telefonema,
na mesma noite em que houve o encontro casual
na livraria, aliás, apenas algumas poucas horas
depois do ocorrido, assim, como mágica, a menina virou açúcar.
Graças àquele quase desconhecido, com sardas nas orelhas e no cotovelo,
que leu o primeiro capítulo inteiro para ela ao telefone.
Foram as 34 páginas mais felizes e rápidas de sua vida.
Passaram num instante impregnando nos lábios dela
um sorriso impossível de tirar ou disfarçar.
Foi aí que ela se deu conta de que o amor faz o tempo voar.
Mas quem se importa?
Na rua, disfarçava. Tampando a boca para que ninguém visse
o quanto estava rindo à toa.
Sentia culpa por estar feliz.
_Como assim, feliz?
Não tem o menor cabimento...
Não queria chamar atenção por esta razão.
Logo ela, cética.
Logo aquela que sempre achou a vida penosa demais.
Agora andava por aí, sorrindo largo.
Não acreditava nessa possibilidade, nem nas pessoas.
Ela não tinha crença alguma e
zombava de toda e qualquer esperança.
Era dura.
Feito pedra.
Amarga igual remédio.
Sentia falta de ar,
mas também não fazia tanta questão
em respira as impurezas da cidade.
Conformada com sua teoria de que as
pessoas dão aquilo que podem dar,
estava acomodada com tudo ao seu redor.
Num tanto faz, num leva e traz, no chove não molha.
Esperando a vida passar aos finais de semana.
Despreocupada com o tempo, com o vento,
saía sempre sem o guarda-chuva e o casaco.
Molhava-se e mesmo assim era incapaz
de perceber as horas. Mesmo passando frio
ou tendo que colocar as roupas no varal
que ficava numa pequena varanda em um
também pequeno apartamento.
Onde ela vivia só.
Triste em seu quarto, lendo o livro que
escolhera demoradamente nas prateleiras
da livraria que freqüentava.
Até que um dia, lá na livraria,
ela escolhia mais um romance para
viver em palavras quando uma mão maior
que a sua pegou o objeto retangular em questão.
A capa era amarela.
Estavam bem próximos um do outro
e ele percebeu que ela estava desejando-o.
Não a ele, mas o livro que carregava.
_Desculpe, qual o seu nome?
_Por que?
_É realmente, me perdoe, não quero ser invasivo.
Gostaria de saber seu nome...
_Ana.
_Oi Ana, vi que você ficou...
Bem, como vou te dizer... É...
Você por acaso estava querendo este livro aqui?
(disse isso chacoalhando o livro em sua frente,
como se ela fosse um cachorro e o livro um enorme osso).
Irrefutavelmente ela só balançou a cabeça num não.
Os cabelos dele, despenteados prendiam
os olhos dela, bem no alto.
Vestia camisa xadrez, jeans e all star azul.
Ela também, xadrez, jeans e all star vermelho.
Mesmo observando todos os detalhes nele,
que tinha sardas nas orelhas por exemplo
e que elas também habitavam seu cotovelo,
Ana preferiu ignorá-lo.
_Ah, ok. Acho que me enganei.
E quando ele já virava de costas ouviu um:
_Não...
_Hã?
_É verdade, este seria o meu livro escolhido de hoje.
Mais pela cor. Sabe, ainda não li a orelha,
então acho que tudo bem, posso não querê-lo.
Eu viverei sem ele. Lógico, já tenho idade suficiente
para saber que vou sobreviver e
acho até que eu não iria gostar muito...
Então pode ficar, é isso, é seu, todo seu...
_Calma querida, está nervosinha?
Teve um mal dia ou você é assim sempre?
Espere, deixe-me falar! Com calma, sim?!
Ele disse isso num sorriso apreensivo e engatou
logo após um suspiro longo.
_Então... Faremos assim, vou comprá-lo
porque este é também o meu escolhido,
também pela cor, enfim...
Você me passa seu telefone que assim
que eu terminar de ler, te empresto.
_Sei. E quando será isso?
_Logo, quero te ver logo...
Ela sorriu. Pegou uma caneta
(sempre tinha uma na bolsa) e
escreveu na contra capa do livro amarelo seu telefone.
Saiu em seguida, meio descrente.
Segurou com dureza a felicidade que queria
sair de dentro do peito. Afinal, não acreditava
em nada daquilo que o frio na barriga tentava alertar.
Há quem ache até que foi uma cena de puro desprezo.
Assim me confidenciou um dos funcionários
da livraria que assistiu a tudo de longe,
torcendo para ela amolecer, adoçar e se entregar.
Não sabe ele que desde o telefonema,
na mesma noite em que houve o encontro casual
na livraria, aliás, apenas algumas poucas horas
depois do ocorrido, assim, como mágica, a menina virou açúcar.
Graças àquele quase desconhecido, com sardas nas orelhas e no cotovelo,
que leu o primeiro capítulo inteiro para ela ao telefone.
Foram as 34 páginas mais felizes e rápidas de sua vida.
Passaram num instante impregnando nos lábios dela
um sorriso impossível de tirar ou disfarçar.
Foi aí que ela se deu conta de que o amor faz o tempo voar.
Mas quem se importa?
Tuesday, September 01, 2009
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