Tuesday, April 15, 2008

Harmonia!

Para ela a vida precisaria caminhar como na orquestra.
Foi com ele.
Orquestra Experimental de Repertório.
Traje de domingo às 11 horas da manhã.
O que se pode esperar?
Ela vestia vestido e filtro solar, ele bermuda.
Calçado oficial da dupla: tênis.
Entraram no Teatro Municipal de São Paulo, rumo à bilheteria.
Barrados por duas senhoras gentis que lhes ofereceram convites.
Sorriram de susto.
É de graça repetia uma delas, diversas vezes.
Mas nada nessa vida é de graça, Luiza sabe bem.

Algo estava por vir.
Tensiona.
Antes de sentar na poltrona rebuscada e dura,
sem encosto para a cabeça
(porque senão a gente dorme), água.
Sem gás. Sem gelo. Bem pouca graça.
Ele concentrou-se no jornal.
Era um homem de bem poucas palavras.
Estava razoavelmente cheio.
Adentram.
E lá vem a senhora que lhes deu os convites.
Senta-se na frente e puxa conversa.
Engata. Está vendo, nada é de graça...
Tenho certeza de que ela acha que somos irmãos.
Sorrimos de novo, igualzinho da primeira vez.
Sorrisos gêmeos.
Ela troca telefones.
Insiste pelo nosso número.
Diz que vai ligar toda vez que tiver
uns convitinhos sobrando.
Pergunta meu signo e a classe social a que pertenço.
Sorrio. Ele já não sorri.
Primeiro sinal.

A terceira idade comparece ao show
com dificuldades para caminhar.
Atrasa o espetáculo.
Mas tudo bem, hoje é domingo, não temos hora.
Os músicos começam a ocupar seus lugares no palco.
O regente, o piano de calda e a
pianista com vestido também de calda recebem palmas.
As mãos deles dadas não batem. Calma.
Ela observa os sapatos de todos. Arrepia-se.
Imagine as sandálias! Pode imaginar?
Fecha os olhos e pensa no dever de concentrar-se só no som.
E nas paredes. E no cabelo da mulher logo a sua frente.
E nos óculos daquele um.
Pára!
Entra o maestro. Ufa!
Todo homem de mais de quarenta,
meio careca, acha parecido com seu tio Sérgio.
Sente saudade.
Mas passa.
Como a primeira parte.
Distraiu-se com tantos detalhes captados por
seus olhos bobos e inquietos que não percebeu a cadência sonora.
Breve silêncio.
A senhora (dos convites) vira-se e pergunta:
_E aí, estão gostando?
Sorriem mais uma vez.
Ele foge para o banheiro.
Ela escuta a outra ela contar-lhe sobre
todos os espetáculos que já assistiu ali.
Percebem-se.
E todos os que ainda estão por vir.
Sim, dias melhores virão.
Ou a esperança dela, não dela; é a última que morre.
Olha o sinal!
Ele se acomoda meio incomodado ao seu lado.
Luiza olha com aquela cara de
“Querido sorria, estamos no teatro”.
Começa de novo. Tudo outra vez, mas diferente.
Variações do mesmo.
O maestro faz um enorme esforço com os braços.
Faz também caras e bocas e um barulho que ela,
de verdade, não queria ouvir.
Mas tudo bem, hoje é domingo...
E depois, LP nada entende de música.
Só. Diverte-se.
Com ele.

E já era uma vez, um domingo de sol no centro da cidade.
No caminho de volta para casa, enquanto ele falava,
percebeu-se uma mulher de poucas palavras.
Pode imaginar?

Exausta e vencida por seu próprio silêncio.

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