A Nona perguntava outra vez quem é sua mãe
em mais uma manhã de café sem gosto em
companhia da menina que permanecia imóvel e calada.
_Sou filha da sua filha Vó!
É a nona amigdalite do ano.
Só isso passava na cabeça dela.
A fez febril. Ponderar e parar pra pensar que
deve ter algo ali entalado que a faz sentir tamanha dor.
Uma vez ao mês, padece disso.
Depois passa, é sempre igual.
Um desconfortozinho no dia anterior,
uma dor intensa nos dias seguintes, dez;
com tudo que uma amigdalite lhe dá por direito.
Antibióticos, alguns quilos a menos...
Depende da duração do processo.
A menina chorou ontem à noite
ao perceber a visita da dor ali de novo. Fez nó.
Deitou na cama dos pais, por onde estava
de passagem e dormiu rápido.
Era cedo. Acordou tarde.
_Você é filha de qual filha minha?
_Nona, você só tem uma...
Saiu indisposta a resolver o problema.
Pensou em tirar as próprias amígdalas
com uma faca de serrinha.
A mesma usada para cortar o pão de manhã.
O mesmo que ela foi incapaz de engolir.
Não passava.
Dói.
A dor dói, depois passa.
Volta.
A menina tornou a pensar nas questões psicológicas
que podem sim ocasionar tamanha infecção.
Não que ela acredite assim, no poder de sua mente.
Não mente! Ela agora busca explicações invisíveis
para o fenômeno tormentoso que a invade mais uma vez.
Pois que seja então sobrenatural!
Olhando para os dois frascos de homeopatia,
duvidava de sua eficácia, mesmo sabendo que é preciso ter fé.
Recusou-se voltar no otorrino,
apesar de já ter desenvolvido com ele uma amizade profunda.
Mas só de pensar no tamanho do último antibiótico...
Era quase uma banana nanica!
Isso sem comentar que o Dr. Otorrinolaringologista
prometeu-lhe cirurgia como último caso.
Ela tem tido pesadelos com a voz dele
dizendo em tom de piada
“você que é minha paciente desde 1992,
está no último caso, desses que a gente tira mesmo
as amígdalas sem dó, só dor.
Mas dor você já está sempre sentindo,
uma a mais, uma a menos,
considerando que nesta exata região será a última...”.
Ela foge e por isso passa as horas olhando
para os frasquinhos e tenta com toda paciência do mundo
(que ela naturalmente não tem)
se organizar com os horários e alternância dos líquidos.
Tatuou-os com caneta 01 e 02.
Deveria pingar dez gotas de cada de duas em duas horas.
Mas de verdade, nunca se lembra se tomou o 01 ou o 02
portanto, tenta (sem sucesso) enganar a si mesma.
Do tipo: “Luiza! Parece que está dando certo!”
E está! Acaba de repetir ao digitar.
P A R E C E Q U E E S T Á D A N D O C E R T O .
Como se o segredo fosse acreditar! Besteira!
Às vezes, pára em frente ao espelho e
faz caretas para admirar o pus.
Faz poesia com ele.
“Pus, meu querido pus, quem foi que te pôs aí?!”
Mas dura pouco o bom humor em dias assim.
Tirando sarro e sofrendo consigo mesma.
Pensa que se morrer disso ao menos morre calada
porque dói também para falar.
Mas esta é a parte boa!
Sente-se no direito de seu próprio silêncio.
“Deixe-me aqui com meus pensamentos”.
Ao ligar para o novo Dr. homeopata confessou
envergonhada que havia perdido a receita da última quinta feira.
_Luiza, você inconscientemente não quer fazer o tratamento!
_Não, olha... É lógico que eu quero! Eu preciso.
_Não, você não quer.
Chorou e por sorte ele não percebeu.
Não percebeu? Foi duro e de graça.
Não a consulta!
Mas será que ele acha que ela foi obrigada até lá?
Será que ele sentiu-se incomodado porque ela já
tentou esta medicina outras vezes e não obteve hesito?
Será que ele acha que ela é uma menininha mimada?
Báh! Está sofrendo! Será? Será?
Nem ligou, desligou.
Falou meia dúzia de palavras cansadas por hoje. Sussurrou.
Achando que talvez a dor na garganta fosse
por conta das coisas dolorosas que já passou na companhia deles.
Então, após falar, se era este o problema; passara!
Não!
Até as dezesseis de hoje não havia parado à pensar
que todas as suas dores, foram sempre repartidas, divididas.
Que todo desconforto fora causado apenas por vítimas.
Do amor, de compaixão, solidão, ansiedade.
Ela não se perdoa por possuir marcas de sua própria história.
Mas o que fazer num caso como este?
E se a dor era de coração, como é que foi parar na garganta?
E se realmente tirar as amígdalas, para onde vai a dor?
O que se faz com a memória?
Agora, todo e qualquer perdão é em vão.
Desculpa.
Belladona 6 CH e Mercurius Solubilis 6 CH devem resolver o fardo.
Ou aliviar o fato.
Até o mês que vem chegar.
Tuesday, September 23, 2008
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