Wednesday, April 29, 2009

Ser. Super. Artista.

O papel do artista é produzir e conceituar seu corpo de trabalho.
O suporte para isso já não mais importa.
A arte contemporânea não se restringe ao papel nem à tela.
Muito menos aos museus e galerias. A arte se democratizou
assumindo as ruas. Invadiu sua vida e você nem reparou.
Porque não tem tempo para parar e observar.
Assim como a maioria de nós que olha para tudo e pouco enxerga.
E tudo bem, este é também um dos papéis do artista. Podemos relaxar?
Intransferivelmente é do artista a responsabilidade de observar
e detalhar que lugar é este que nós ocupamos no agora.
Refletir sobre a sociedade em que vive. Em que vivemos todos nós.
E transportar para o papel, para tela, para um espaço específico
e ou interferir na arquitetura das cidades com sua arte em nossas vidas.
É aproximarmos do lúdico, dos sonhos, do que é real na visão dele, artista.
Do que parece à ele indispensável. Não que seja para a maior parte de nós.
Mas para ele, é assim que lhe parece, necessário.
Para isso o artista contemporâneo ocupa desde altas tecnologias,
celulares e GPSs até o espaço daquela praça que sempre existiu na rua de sua casa,
os edifícios e calçadas além dos lugares em que a arte previsivelmente reside,
os museus e galerias. Por vezes, o artista retira do nosso cotidiano
os hábitos e costumes, móveis e outros objetos levando-os para
esses grandes espaços de arte, desfuncionalizando-os e
instituindo a eles o peso da obra. Isto, desde Duchamp, percebeu?
Vá visitar os museus e galerias, só assim entenderá o que estou tentando dizer.
Na exposição em cartaz na Galeria Vermelho há um carro
logo na entrada totalmente remontado e por assim dizer,
destruído e ao mesmo tempo mumificado. A obra intitulada DRIVE THRU#2
é uma instalação que pertence ao artista Matheus Rocha Pitta
e foi elaborado a partir de dois carros do modelo Escort de anos e cores
diferentes que foram recombinados em um único objeto.
Sim, isto é arte! E normalmente vem acompanhado da seguinte
frase de um amigo meu:

_Nossa, até minha avó faz isto!

Faço cara de desprezo. Pois ele só fala isso porque sabe o quanto me irrita.
Compreenda de uma vez por todas que, com a interferência do artista
seja ela simples ou não, objetos de cena comum ganham o cobiçado
título de obra de arte. Mas quem é que decide o que é arte ou não?
Os críticos, galeristas e jornalistas. Todos em comum acordo dão seu aval.
E de repente, a arte está ali em plena Avenida Doutor Arnaldo,
dentro do hospital Emílio Ribas.

_Repare, são barracas iluminadas... É daquele artista...
_ O... Qual é mesmo o nome dele?
_É Eduardo Srur.
_Ah é! É dele! Chama-se Acampamento do Anjos e é arte, sabia?

Hoje em dia só não é expectador de arte quem não quer.
Basta olhar bem e reparar ao redor.
O artista nos chama atenção para aquilo que há de mais simples,
mas que por tamanha simplicidade, a maior parte de nós já não dá importância.
Ana Maria Tavares é uma das artistas que nos dá prova disso enquanto
ironiza a utilidade da própria arte. Oferece-nos amparo sob superfícies gélidas,
como o aço inox, fazendo-nos perceber o quanto escoramos nossos
corpos nestes móveis existentes nos locais mais públicos, sem constrangimento.
Os corpos precisam de apoio. Ela nos dá este apoio, mas muitas vezes
em desequilíbrio. E eu nunca havia me dado conta do quanto procuro
por encosto ao meu corpo até saber um pouco mais sobre o
trabalho dessa artista. Depois de conhecida as obras,
reparo-me no metrô, na fila do banco e até a forma como acomodo - me
frente a pia, para lavar a louça do jantar.
É quando a arte invade a vida e vice-versa.
O pouco tempo e a correria do dia-dia nos faz apenas
sobreviver em meio aos outros nas cidades.
Ao artista então, cabe a função de refletir sobre o
meio em que vivemos e devolver a este mesmo mundo o que existe
nele que se valha repensar em outros formatos estéticos ou não
e que chamaremos a partir de então de arte.
Os olhos do artista enxergam coisas que nossos olhos não vêem.
Normalmente, escampam-nos. Não que ele tenha super poderes.
Mas é papel do artista treinar seu olhar,
assim como cabe ao corredor correr e ao pugilista lutar.
Ao artista cabe a função de nos detalhar.
Pausar, pensar, escrever, estudar, ler, desenhar, projetar, fotografar.
Chamar até engenheiros se preciso for, para transportar o que há de sensível
dentro de si para todos nós, o público. Um exemplo disso é o trabalho do artista
Marcius Galan exposto na mostra Nova Arte Nova no Centro Cultural Banco do Brasil
em que fez uma instalação dando-nos a impressão de que há
ali um vidro esverdeado, desses blindex. Mas é pura ilusão.
Uma fantástica mentira. E para perceber isso é preciso tocar na obra.
Tocar no nada.

_Mas tocar nas obras não é proibido?
_Neste caso não.

É... Sei que não é assim tão simples.
Cabe a nós apreciadores da arte tentar
deixar-nos seduzir pelos trabalhos do artista.
E a este cabe ainda se interar com o que há de novo.
Se atualizar. Perceber as novidades que são muitas nos dias de hoje.
Inúmeras. Rápidas e fugazes. E tomar o cuidado de não
ser só mais uma dessas novidades
que vem e vão na mesma velocidade.
Ao artista será preciso mais que fôlego de corredor
para acompanhar o que a maioria de nós não quer perder tempo em pensar.
Ou não se permite sentir. Ou não consegue.
E depois, resta a ele a tarefa de produzir.
Incessantemente como treina um lutador.
Continuamente.
Produzir uma vida inteira.
Para um dia o conjunto de suas obras falar por si só.

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