Sunday, March 08, 2009

Hoje é domingo.
Dia internacional da mulher.
Acabo de ganhar o presente que pedi.
Um pedaço de vidro para que eu possa fazer deslizar meu estilete.
Estou escrevendo bem aqui ao lado dele.
Não vamos almoçar com a família.
Nem com a dele, nem com a minha.
Acho que nem vamos almoçar.
Hoje é domingo.
Dia nosso.
Não há regras.
Vamos ficar de pijama.
Escrevendo, desenhando, filmando,
fazendo música e comendo chocolate.
Talvez um filme no início da noite.
Talvez não.
Parece que não precisamos de nada.
Ou tudo de que precisamos está aqui.
Só por hoje.

A Orquestra.

De fato, não sei da onde vem meu gosto pela música erudita.
Não me lembro de papai ouvindo na vitrola.
Nem da mamãe sintonizando o rádio.
Só sei que gosto.
Emociono e relaxo.
Equilibro o desconcerto.

Sexta passada, às oito e quinze da noite
saí do trabalho correndo, vestindo preto, largo,
enfeitada do calor que vem presenteando a cidade.
Fui ver Yan Pascal Tortelier reger nossos músicos.
Rímel, blush e três grampos.
Um coque salva uma mulher.
Finge elegância.
Não alto nem muito baixo.
Bem no meio.
Levamos em passos lentos os avós do meu Caetano
para nos acompanhar. Avô que também chamo de meu.
Sentamos no coro. De frente ao regente.
Nas últimas quatro cadeiras que estavam à nossa espera.

A Sala São Paulo é um dos lugares mais belos da cidade.
Não há dúvidas.
Os músicos ocupam seus lugares.
Abrem as partituras e me encantam de tal
forma que meus olhos se agitam,
tamanha felicidade em perceber que tudo vira desenho.
As roupas, os cabelos, as páginas, as notas musicais...
Preto e branco.
Não há negros na orquestra. Isso chama a minha atenção.
Ele manda eu fechar os olhos.
_Ouça.
Mas prefiro mantê-los bem abertos.
Meu contato com a música é visual.
_Eu a enxergo.
Sorrio com o maestro dançando na minha frente.
Ritmado na respiração de todos.
E enquanto a música ía, tudo passava pela minha cabeça.
Meu aniversário de três anos, meus pais dançando,
minha irmã brigando, meu irmão sorrindo.
Pensei no futuro. Em filhos. Nos papéis que quero
desempenhar ao seu lado. Na sua família. Na nossa.

As cenas se multiplicavam em mim.
Envolvida, perdi o fôlego.
Tornei espectadora da minha própria história.
Dos abraços que demos. As surpresas que tivemos.
A tristeza que me assombrou. As dores que mantenho em segredo.
O apoio que recebo deles e dele em especial.
Altos e baixos.
Lembrei das reuniões que fazíamos quando criança.
Chamavam-se “dever de sentar-se”. Num clima tenso
porque para mim tudo o que era devido, talvez não fosse bom.
Assim como escovar os dentes. Lembrei dos meus padrinhos,
dos meus presentes repetidos, do meu carinho por eles.
Do nome dos meus avôs que não conheci, tentei. Confundi.
Lembrei da dificuldade em aceitar que não tinha
como administrar as vontades dele. Das desvantagens em fugir.
Das doenças que já tivemos de enfrentar.
Do tempo em que íamos à missa domingo de manhã
e depois tinha café com leite e pão com manteiga
que a igreja distribuía aos pobres. Eu adorava!
Lembrei com gosto.
Os passeios de bicicleta. Das tardes na piscina do clube.
Da coxinha do Egídio. Cheiros dos papéis de carta.
De nós deitados na grama observando a vovó e a
Rosa caminhando com dificuldade.

Pensei na constituição da nossa família.
Dos nossos amigos. Dos meus primos.
Somos todos coração. Que também sofrem porque,
de qualquer forma, todos precisam de um dilema para viver.
Então, mesmo que não exista um problema,
a gente inventa e acredita. Mas dos males,
escolhemos os menores. A dedo.
Lembrei do dia em que sem querer machuquei Aline,
minha vizinha, com um corte profundo no punho
ao levantá-la para apertar uma campainha do bairro.
De todas as minhas culpas.
Do meu acidente com o patinete motorizado
que ganhei de aniversário metade-metade com Francisco
e estourei-o no muro logo no primeiro passeio.
Da minha falta de sorrisos aos quinze anos.
O dedo da vovó que prendi na porta do carro.
Da minha alegria com o primeiro amor,
com o segundo e o terceiro, um amor adulto, maior.
Da minha fé que levo em silêncio para todo canto.
Dos nossos erros. Dos almoços com tio Sérgio.
Da capacidade em apaixonar. Perdoar. Deletar.
De todo meu amor por todos.
Da saudade do tio Di e até da tia Dela.

Meus lábios se estenderam de um canto a outro
quando recordei da brincadeira de escravos de Jó na casa da tia Walde,
com os guarda chuvas na casa da tia Sueli, eu devia ter uns quatro anos.
Na praia com a tia Rose. Ela era uma louca de nos levar para lá.
Os passeios no fusca da Samira. Toda ajuda do tio Jorge.
Lembrei do meu pai no balcão da loja.
Minha mãe na mesa de corte. Do trabalho.
Somos sim trabalhadores, incessantes. Sonhadores. Braçais.
Somos quase máquinas de costura e juntos somos fortes.
Só, me orgulho deles. Queria que estivessem ali conosco.
A orquestra me fez pensar em disciplina.
Esforço. Comando. Foco. Tempo. Pausa. Ritmo.
Harmonia. Continuidade. E palmas.
Aplausos!
Porque assim é a vida!


Para experimentar dessas sensações
veja a programação completa no site
OSESP e bom espetáculo!

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