Para Rosa - uma história:
Raul é um menino que morava num antigo baú.
Não tinha interesse pela vida fora dele.
E não havia quem o tirasse de lá.
Raul só gostava da Lua.
Tinha o desejo de fazer seu Baú voar até ela.
Mas como isso não acontecia,
Raul ficava olhando para Lua até cair no sono.
Saboreava o luar pelo buraquinho da fechadura
do velho caixote de madeira.
E sonhava.
No Baú de Raul tinham dois brinquedos,
um livro lido, seu travesseiro e um pequeno cobertor
que lhe cobria por inteiro.
Achava que não precisava de mais nada além disso.
Gostava de viver assim, apertadinho.
Sentia-se protegido.
Acolhido, envolvido.
Era quase um abraço.
Raul vivia do passado.
Gostava de lembrar das coisas que fazia
antes de entrar no velho Baú.
Dos almoços em família, das brincadeiras
com os coleguinhas, corre-corre, os passeios de bicicleta,
amarelinha, a menininha ruiva da rua com quem pulava corda,
a piscina do clube no verão, sorvete aos finais de semana,
chocolate quente em frente a lareira e o que para ele era
o melhor de tudo, a cama enorme e macia dos pais.
Mas por que então Raul entrou no Baú e não saíra jamais?
O Baú de Raul estava em seu quarto antes mesmo dele nascer.
Ficava naquela posição, encostado no papel de parede azul,
logo abaixo da janela branca onde de manhã batia sol e de
noite o luar vinha visitar.
Era um caixote antigo de madeira nobre que já havia
pertencido ao seu avô e em seguida ao seu pai. Foi herança.
Portanto este não era um simples baú.
Mas uma caixa cheia de histórias!
Raul ainda bebê, observava do berço com olhar
de encantamento sua mãe guardar todos os brinquedos
naquela caixa de madeira.
O que despertou sua curiosidade.
Quando aprendeu a engatinhar, era sempre para
aquela direção que ele ia. Houve um tempo em
que acreditava que o baú era um portal para a
Terra dos Brinquedos.
E isso manteve em segredo.
Tinha vergonha do que as outras crianças podiam achar.
Não queria parecer tolo por imaginar – imaginar – imaginar.
Disfarçava seus pensamentos, escondendo-os.
Comum como qualquer outro garoto de cinco anos de idade,
antes de entrar no Baú Raul brincava na rua, ia à escola,
passeava com os pais e por vezes passava um dia todo com seus avós.
Todos adoravam sua companhia!
O tempo foi passando e as responsabilidades foram chegando.
Junto do crescimento do garoto vieram também as provas e
cobranças que resultaram em belas dores de barriga.
Nesta mesma época Raul perdeu dois dentes de leite
bem na frente, abrindo verdadeiras janelas em sua boca.
Ele morria de vergonha dos vãos e por conta disso parou
de falar em público. Sorrir, jamais! Sua mãe o alertava:
_Raul, veja o Antonio, o Filipe e a Laurinha,
todos também possuem esta janelinha!
Mas Raul mantinha a boca fechada e um silêncio perturbador.
Na medida em que os dias passavam, as estações mudavam e os anos corriam.
Flores nasciam, folhas caíam, nevava, chovia,
esfriava e fazia sol de rachar coquinho.
Raul tinha medo de tudo o que era novo.
Apavorado, reagia com total desinteresse por tudo que
existia de mutável no mundo.
Numa posição blasé, para não dar o braço à torcer.
Apenas recusava os convites.
Não – não e não. Obrigado.
Foi perdendo a vontade de sair de casa.
Depois de sair do quarto.
Não adiantava nem mesmo a menininha ruiva da rua chamá-lo na janela:
_Raul, venha! Vamos brincar!
Ele não saía. Mal comia. Raul não queria saber de nada.
Nem cinema. Nem a televisão escapava.
Era para ele um filme de terror constante.
Tamanho medo de viver e ver o mundo lá fora.
Foi então numa noite de total desespero que Raul,
ouvindo o barulho da chuva batendo no telhado, acordado
e com medo, resolveu se refugiar no antigo Baú.
Levou consigo seu livro preferido que de tanto ler,
já o havia decorado; seu travesseiro - o companheiro de sonhos
e o cobertor para cobri-lo até as orelhas de pavor.
Lá no fundo do antigo baú encontrou um soldadinho de chumbo
que servia de escudeiro e um pequeno urso empoeirado que só o fazia espirrar.
Nesta primeira noite, Raul agüentou firme a coceira no nariz,
para não chamar atenção de seus pais.
Sentia-se seguro dentro do baú.
Pronto. Criou seu mundo paralelo ali dentro.
Encontrou o esconderijo perfeito e não pretendia mais sair de lá.
Quando ficava entediado, lia o livro.
Quando queria diversão, tinha os brinquedos.
Quando queria companhia, contemplava o Luar.
Assim, nem percebia o tempo passar.
E se o tempo não passava, nada mudava.
Tu do continuava sempre igual para Raul!
Só às vezes quebrava a rotina com seus sonhos incríveis.
Foi assim, de repente que uma longa noite de sono levou Raul à Lua.
Aterrissando meio desajeitado,
levantou poeira com sua nave espacial especial de madeira.
Visitou estrelas, desviou de satélites e na volta pegou carona
num grande cometa. Descobriu que a lua é linda de perto.
Que flutuar é uma das melhores sensações vivenciadas ou sonhadas;
não importa. Viu o planeta Terra lá de cima e ele é incrivelmente azul.
Azul da cor do mar. Foi uma aventura e tanto!
Inacreditável como diria a vovó quando ele lhe contasse.
Mas quando Raul acordou não tinha ninguém por perto.
Estavam todos vivendo a vida lá fora.
E ele teve que esperar por horas até a chegada dos avós
que visitavam o baú todas as tardes.
Encostavam-se no velho caixote,
cada um com sua xícara de chá de limão e liam para Raul
as mais incríveis fábulas. Era o momento mais doce do dia deles.
Raul que sempre viajava com seu Baú para dentro de todas
essas histórias fez desta tarde diferente para sempre.
falou-falou-falou.
Como há muito não falava.
Contou – contou – contou.
Detalhadamente sua viagem para todos os planetas.
_Que inacreditável Raul!
_Mas é a mais pura verdade vovó!
Exclamou o menino animado com a reação previsível de sua avó.
Os pais de Raul estavam muito preocupados
com o isolamento do filho. Num primeiro momento,
queriam tirá-lo do baú de qualquer jeito.
Mas depois aceitaram a decisão do garoto que desde
pequeno sempre soube o que sentia.
_Deixe o menino!
Dizia o sábio pai que tinha certeza de que um dia
o velho caixote de madeira ficaria pequeno para
um menino como ele, criativo e expansivo.
_Ele não vai caber lá para sempre...
Sorrindo, tentava tranqüilizar a mãe, pois sabia
que um dia Raul teria que sair de lá, nem que fosse aos quinze anos.
E isso aconteceu muito antes do que se esperava.
Numa manhã de sol igual a tantas outras, Raul
criava histórias mirabolantes em sua cabeça quando
ouviu a voz da menininha ruiva da rua chamando-o para brincar.
Pensou:
“Que garotinha insistente! Por que não me deixa em paz?!”
E ela continuou a gritar:
_Raul, vem! Vamos brincar!
Ele ignorou.
Mas ela continuou – continuou –continuou.
Até que Raul, levantou-se com raiva e sem perceber,
pulou para fora do Baú e enfiou a cabeça pra lá da janela.
Enxergou tudo.
E como os raios de sol deixavam os cabelos da
menininha ruiva da rua ainda mais vermelhos. Gritou de volta:
_Sua cabelo de fogo!
Ela apenas sorriu. Estava linda.
Vestia um vestido rosa e sapatos azuis da cor do mar
que em cima da grama verde do bem cuidado quintal da casa dele,
fazia uma combinação espetacular. Até parecia um sonho mas
Raul estava acordado, prestes a entrar de novo no mundo real.
_Você é muito insistente sabia?
Ela apenas sorriu e abriu os braços esperando um abraço.
Raul não teve dúvidas ao abrir a porta do quarto.
Queria sair. Queria contar à menininha ruiva da rua
que as cores dos sapatos que ela usava eram exatamente da
cor do nosso planeta visto lá da Lua.
Estava tão afobado que desceu a escada do sobrado voando.
Sua mãe que preparava um bolo de cenoura na cozinha quase o perdeu de vista.
_ Raul? É você meu filho?
Ela nem acreditava que o menino deixara o baú.
Ele corria-corria-corria!!!
Até tropeçar na primeira pedra que estava em seu caminho
bem no canto da calçada.
A mãe, lá da porta da casa viu quando Raul caiu.
Levou as mãos à cabeça tampando os olhos por um longo instante.
Depois torceu para que o menino levantasse. Chegou a dizer baixinho:
_Vamos Raul, levante!
E lá da outra ponta, no gramado a menina ruiva da rua
continuava com os braços abertos esperando firmemente o abraço.
O menino ficou no chão.
Percebeu naquele exato momento que precisaria levantar
do tombo, levantar a cabeça e caminhar.
Que ficar ali caído na calçada não era a melhor opção.
Estava quente, pelando o concreto onde seu rosto esfolado apoiava.
Suava. Estava um sol de rachar coquinho e a
menininha ruiva da rua lá de braços abertos.
Ele a viu e até sorriu para ela ao levantar o queixo ralado.
Ardeu. Lágrimas começaram a descer dos olhos de Raul descontroladamente.
Ele chorava e não era de dor, mas de alegria.
Alegria por ter perdido o medo de tudo.
Das coisas. Da vida. Estava pronto. Certo.
Decidido a continuar o que de fato o levara sair do seu quarto,
abandonar o antigo caixote de madeira e se aventurar pelo mundo a fora.
Tinha coragem de continuar a inventar para viver do lado de fora.
Acreditava em si próprio e confiava nas pessoas ao redor.
Pois a menininha ruiva da rua continuava firme e
forte na grama verde com seus sapatos azuis da cor do mar esperando-o.
Raul, com tantas histórias para lhe contar
juntou forças e ergueu seu corpo.
Todo dolorido caminhou para até bem perto dela e disse:
_Sabia que eu já fui para Lua?
Ela o abraçou bem forte e disse baixinho
só para ele ouvir e mais ninguém:
_Sabia. Eu te vi passando com sua nave de madeira pela minha janela.
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4 comments:
simplesmente lindo!!!
uma artista completa!! parabéns, Lu, só faltam as ilustrações, imagino um lindo livro!!
uma artista completa!! parabéns, Lu, só faltam as ilustrações, imagino um lindo livro!!
Tati Abrão
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