Thursday, October 16, 2008

Em outras palavras...

Crônica de uma menina crônica
Por Adriana Guivo


Ela sentiu crônica a dor de amar ao telefone.
Mas antes lhe doía a dor de amar quem só lhe fazia doer-se inteira.
Foi pouco o tempo do amor-sorriso, do amor-abraço,
do amor entre lençóis e panos de prato esperando serem limpos.
A roupa suja se acumulou rápido, transbordando no cesto de lixo,
incalculável mesmo na lixeira virtual.
Seus depoimentos do quanto sofria, compartilhados
publicamente na rede, rendeu-lhe alguns solidários.
Mas o que lhe pesava era a solidão partilhada a dois.
Deixou assentar uma fina camada de poeira sobre as
fotos e memória, sobre toda a mobília,
indo sentar distante da estante que presenciou o princípio do fim.
Nenhum dos livros que ela contém
poderia descrever o amargo paladar das agressões verbais.
Ou mesmo da física (nada quântica).
Foi numa conversa fonada que disse
”não me procure mais”,
ao que ouviu em resposta
“me empresta seu carro ou me dá uma carona?”
Caminharam ruivos de cabeça quente e corações partidos.
Idos. Naturalmente são assim,
carregando estórias anteriores como membros
indispensáveis de seus corpos falíveis.
A fina camada de poeira – a parte mais delicada da relação
– desfez-se estando ela já no meio de uma outra ligação, uma ponte Rio-SP.
Ele ligou só pra dizer que na Bélgica o chocolate
que eles compravam em Pinheiros era muito mais barato.
Foi um engano.
Aquele número já não existe mais
pra esse tipo de mensagem cifrada.
Sem saber o que dizer e sem saber comportar o silêncio,
perdeu a compostura ao deixar escapar os piores verbos
daquele passado imperfeito de meses atrás,
que já não permitia nem mesmo a condição de serem futuros amigos.
Adoraria ter posto o telefone no gancho,
mais romântico que a tecla vermelha de
seu celular terminando a conversa.
Alô? Ninguém, só o vazio do som.
Era só pra confirmar.
Ligou para a melhor amiga e disse:
“acho que o que eu amo mesmo é um telefone:
minhas estórias estão sempre por um fio ou do outro lado da linha”.
Ela é só uma menina crônica que ama
mesmo quando odeia, que atende números privados
ou desconhecidos, e que não entende como uma ligação
se encerra e encerra junto a ligação entre duas pessoas.

2 comments:

Line said...
This comment has been removed by the author.
Line said...

Lu, eu sei q a gente nem se conhece, mas eu sempre visito aqui e raras vezes comento.
Hj não poderia deixar de dizer que tô com o coração apertadinho por um amor que eu amo e odeio ( e que é claro, tb já teve fim - não pra mim).
São poucas as coisas que me emocionam, sou meio coração de pedra, engulo seco p/ ngem ver uma lágrima, mas hj não resisti.
Sei q vc não tem nada a ver com isso, mas parece q vc adivinha exatamente o q eu to sentindo e qdo eu to sentindo.
Obrigada por me fazer pôr um pouco pra fora!

Li