Friday, May 11, 2007

O Fundamental.

Em São Paulo era outono, numa noite de terça.
E eu acabara de voltar do bar Leblon,
sem o menor risco de balas perdidas.
Aliás, já te falei da minha teoria de que no Rio
não existe bala perdida? É bala na mira. Andam mirando em nós.
Estão treinando conosco. E levam nota dez porque andam acertando-nos bem.
Mas isso não vem ao caso. O dilema da noite é que me sinto só.
Sozinha. Sem companhia. Com poucos (três ou quatro) amigos de verdade.
Sem cachorros. Sem conhecer as vizinhas.
Vivendo numa grande metrópole com minha TV a cabo.
Tão sozinha que ando a sentir falta de Dona Maria,
minha amiga de oitenta e tantos que morreu no ano passado.
Ela era chata (só falava de doenças, do marido Jacob,
falecido um ano antes e dos filhos que não vinham visitá-la – é claro),
mas me fazia companhia. Chá com bolacha às quatro e trinta.
Enfim, me vi só depois de um dia cheio. Foi cruel!
E para uma pessoa como eu, tímida, que prefere escrever a falar,
olhar para baixo ou invés de olhar nos olhos; que se emociona fácil,
introspectiva; comunicar-se é como ir para forca a cada diálogo.
É um exercício diário, igual aos outros que me obrigo a fazer.
Já dizia uma psicóloga amiga minha (inclusa na conta acima),
com a qual tenho me consultado de forma velada nos últimos cinco anos,
“Não existe crescimento sem sofrimento”.
Aff! Chego à conclusão então de que sofrer é viver e por conseqüência crescer.
E hoje foi só mais um dia daqueles...
O lado bom da história é que, diante tamanha solidão nada mais há
para se fazer a não ser mergulhar nas profundezas do nosso ser mais íntimo
e observar, como bom expectador, o que realmente somos - sem rótulos.
E é engraçado se não fosse trágico, mas nossas peculiaridades
exibem-se graciosamente num dia como o de hoje.
E pensar que cheguei a esta crise existencial só por
causa de uma pesquisadora de rua que resolveu ignorar o
espaço físico ocupado por mim ao lado dela (ombro a ombro),
sem dar ao menos a chance de eu lhe dizer:
_Desculpe, não posso responder.
Ela não interrompeu meus passos apressados
e ainda tornou-me invisível num dia de sol.
Como assim? Eu seria a pessoa mais indicada para opinar
sobre a cremosidade de todas as marcas de requeijão existentes no planeta.
Ou eu não tenho cara de quem come pão com requeijão todos os dias?

Dessa forma ignorada começou meu dia.
Foi a gota d´água, ou melhor, uma facada de requeijão no peito,
dada por uma desconhecida de prancheta na mão e caneta bic atrás da orelha.
Depois do fato consumado, nada mais me restara.
Corri para casa e vasculhando as velhas agendas num ato de completo desespero,
percorri os nomes dos amigos da faculdade que não vejo há pelo menos três anos.
Mas os números de telefone já nem existem mais, faltam dígitos,
faltou-nos contato e eu não teria coragem suficiente para ligar a qualquer um deles,
depois de todo este tempo de silêncio e dizer, e aí? Vai fazer o que hoje?
Lembre-se da minha timidez desorientada.
Aproveitei para jogar as empoeiradas de 97 a 2007 no lixo.
Isso quer dizer que desmarquei todo e qualquer compromisso
para os próximos sete meses. Assim a vida se reiniciou ao meio dia,
depois de uma manhã inconsolável. Pintei as unhas de vermelho e
saí perambulando em meio aos transeuntes. Nem os bebês sorriram.
Nem o caixa do supermercado. Nem o atendente do Mc Donalds
perguntou se eu queria mais batata por quarenta centavos.
Invisível, percebi coisas incríveis!
Descobri que não sou o centro do universo, que as coisas não regem sobre mim,
tampouco eu sobre elas. Que não sou pontual e por isso meu relógio de pulso
(de plástico) está dez minutos adiantado. Mas como sei disso,
não me engano e perco a hora. Descobri que sou negativa para que,
quando algo positivo aconteça, me surpreenda.
Não gosto de criar expectativas em nenhuma área.
Não gosto de piadas, nem de BIS em shows de música.
Teatro é teatro, música é música. Me irrita o entra e sai dos músicos,
que já sabiam que iriam voltar e mesmo assim saem do palco!
Descobri que não sou previsível, nem 100% coerente.
Ah, nem amável por completo.
Que falo baixo, tenho uma vergonha controlada e dentes sensíveis.
Adoro café e tomo coca-cola. Não sei mentir. Não uso pijama de seda jamais.
Não sou organizada, nem sexy. Deixo roupas pelo chão,
toalhas molhadas em cima da cama e sapatos debaixo da mesa de jantar.
Gosto de música para dançar, silêncio para dormir, um bom livro e neosaldina.
Crítica. Amargo as conseqüências por ser assim.
Invisível, inviável. Não sei cuidar de plantas e por excesso de zelo
acabo por matar todas elas afogadas na lavanderia,
onde também não bate sol nem a pau.
Descobri e assumo a preguiça para o fio dental,
as dificuldades para o corel draw e o mau humor quando a fome assombra-me.
Descobri meu gosto para chocolates sempre depois do jantar,
derretendo-os junto ao céu da boca. Amei o filme Céu de Sueli e
por acaso tenho uma tia ótima com este nome.
Pratico esporte porque assim despreocupo-me com a balança e posso comer mais.
Adoro umas cervejas de vez em quando e em tempos difíceis com mais freqüência.
Sorrio sempre profissionalmente. Gosto de acordar cedo, inclusive aos domingos.
Satisfaço meu desejo de consumo desenfreado no supermercado mais próximo.
Nada de futilidade, a não ser doméstica.
Gosto de mudar os móveis de lugar para não estar sempre no mesmo.
Gosto de ouvir o que os outros tem para contar.
Acredito na medicina alternativa. Acredito em Deus, até uma bíblia tenho.
Acredito na invisibilidade daquilo que não queremos ver.
Acredito ainda que, ser invisível para sempre não seria de todo ruim.
Eu poderia colocar o dedo no nariz e ajeitar a calcinha em plena praça pública.
Não teria que pentear o cabelo, nem passar blush para parecer saudável.
Ah, e nunca mais uma cera quente veria a minha virilha.
Por fim, invisível passei pelo dia. Foi só.
Era terça, era outono e eu acabara voltar do bar Leblon.
Sobrevivente, desanimada e defumada pelo cigarro do próximo
que não notara o meu desconforto. Escovei os dentes rapidamente,
mal podia esperar para cair na cama quente. Demaquiei os olhos pintados,
pretos, desde as sete da manhã. Estava exausta e triste até perceber a
própria imagem borrada, refletida no espelho do banheiro.
Ela sorriu para mim.
E foi o fundamental.

1 comment:

Anonymous said...

Viver é isso, mesmo estando com alguem, mesmo se voce vir a arrumar um ótimo namorado, ou varios melhores amigos, você sempre estará sozinha, assim imagino que seja para todos.

Considero a vida uma coleção de momentos, e o que seria da felicidade se não houvesse a dor? Seria chata, tediosa e não suportariamos viver nela.
Daqui a pouco voce vai morrer e daqui uns anos ninguem saberá que voce um dia existiu, e ainda viva muita gente nem sabe que voce existe, não se sinta especial com isso, pois voce também não sabe que nem eu e nem muita gente existe.

A vida é uma folha de papel pra voce desenhar, se errar aproveite e rabisque toda a folha, é burrice parar e tentar consertar ou jogar a folha fora, rabisque, rabisque até não caber mais nenhuma linha, até o papel rasgar e voce ter usado todas as cores e tecnicas de pinturas possiveis.
Daqui a pouco vamos estar completamente mortos, eternamente.
Não existe recompensa nenhuma.