Friday, April 17, 2009

Por sorte. O BEM DE ALZHEIMER.













Vovó não se lembra, mas nasceu em São Sebastião da Grama
em três de agosto de 1923.
É filha de Lydia Corsi Ferreira e Antonio Ferreira.
Lydia, sua mãe, teve seis filhos.
Apenas três cresceram.
Os outros morreram ainda crianças.
Portanto, vovó Edna tinha dois irmão – Laerte e Antonio.
Juntos, levavam uma vida tranqüila no interior.
O pai era construtor e a mãe dona de casa.
Eles tinham moradia própria e carro,
o que era um luxo para época.

Quando vovó ainda se lembrava,
contou-me que havia uma mulher negra em sua casa
que era a babá. Mostrou-me numa foto, assim:
_Está vendo esta aqui? Era minha escrava.
Eu achei repugnante, fiquei horrorizada.
Enfim, faz parte da história.
Eram uma família feliz e bem estruturada
até que um dia, descobriram que o pai da vovó tinha outra mulher.
Foi uma escândalo na pequena cidade, imagino.
E o resultado foi que ele suicidou-se.

Lydia agarrada aos três filhos passou pela primeira vez
a ter dificuldades para se manter. Lógico,
toda renda da família vinha do marido que
se matara de vergonha.
Ela então buscou por soluções.
Montou uma confeitaria,
mas não teve experiência para levar o negócio à diante.
Era muito nova, havia se casado com apenas treze anos...
Só sabia mesmo cozinhar!
Foi então que numa tarde pouco tranqüila,
largou tudo o que restava em São Sebastião da Grama
e retirou-se para São Paulo,
carregando os três filhos debaixo do braço.

Precisava de uma vida nova e acho eu,
que não importava muito onde.
A nova vida de toda família recomeçou
na capital tão difícil quanto o
passado recente deixado no interior.
Lydia trabalhava em casa de família como cozinheira
e sua irmã ajudava a cuidar dos meninos.
À Edna restou o colégio interno.

No colégio, vovó não se lembra mais,
mas chegou a comentar que sofria
muito com os castigos de lá.
Vivia ajoelhada no milho e
por vezes faltava-lhe comida.
Tanto, que de tanto reclamar tiraram-na do colégio
e foram todos morar na casa da tia Mariana, a irmã de Lydia.
E talvez nesta época um téquinho de felicidade
tenha reinado naquela casa, por estarem todos juntos outra vez.

O tempo foi passando, Lydia cozinhando
e vovó Edna, mocinha, foi trabalhar numa fábrica de zíper.
Foi lá que conheceu Raphael Pannunzio, meu avô.
Casaram-se e foram tentar a vida no Paraná.
Tentar a sorte! Mas históricamente a sorte não andava ao lado dela.
Raphael trabalhava com o tio Dino, irmão dele.
Eu pouco sei sobre meu avô. Minha mãe não fala sobre ele.
Quase nada. E minha avó já não se lembra...
Sempre tive medo de perguntar e acabar por reativar mágoas.
Mas voltando à vovó, Edna logo engravidou
para alegria de todos. Eram recém casados e você sabe,
casais recém casados vislumbram toda uma vida feliz
para ser construída. Há possibilidades, ao menos.

Mas infelizmente o primeiro bebê da vovó não vingou.
Morreu uns meses após o nascimento.
Depois, ela demorou mais de seis anos para conseguir
engravidar de novo. Mudaram-se para Sorocaba.
Todos! Inclusive o tio Dino que também
há pouco havia se casado. Foram de novo tentar a sorte!
Conseguiram. Vovó engravidou outra vez por sorte
e num janeiro, nasceu a primeira filha do casal, Vera;
minha mãe. Depois veio o tio Sérgio.

Que alegria! Que nada... A vida da vovó com meu avô
não era nada fácil. Ele, alcoólatra, dava muito mais trabalho
que as crianças. Mesmo assim ela permaneceu casada com ele
durante 23 anos, até a sua morte. E eu me pergunto,
o que teria sido diferente se eles tivessem se separado.

Quando meu avô morreu, a vida da vó Edna
ao invés de melhorar, piorou. Vovó não tinha dinheiro.
Sua aposentadoria era muito pequena e suas tentativas
para gerar renda eram todas um fracasso só.
A saída encontrada para diluir as dificuldades foi montar
uma república em sua própria casa para meninas
que vinham ainda mais do interior estudar em Sorocaba.
Foi uma fase ótima. As meninas eram muito alegres,
tinham mais ou menos a mesma idade da Vera, sua filha...
Mas Vó Edna logo enjoou de tanta agitação.
Não levava mesmo jeito para muita alegria dentro de casa.
Desistiu. E quando tio Sérgio viajou, mamãe
se casou e vovó foi morar junto dela.
Carregou consigo desta vez,
debaixo do braço, sua mãe, Lydia
que já estava bem velhinha e doente.

A casa onde todos foram morar era pequena e inacabada,
mas aconchegante. Você sabe como é, casais recém casados
vislumbram toda uma vida feliz para ser construída.
Vera e Luiz não eram diferentes.

Um dia, vovó Edna conheceu um senhor distinto
que se chamava Artibano e com quem imprevisivelmente
veio a namorar e depois casar. Sim, vovó não se lembra,
mas casou-se outra vez. E teve até festa!
Foram morar juntos e tudo ia às mil maravilhas!
Mas como vovó não levava mesmo muito jeito para
alegria dentro de casa, Sr Artibano morreu pouco tempo
depois do matrimonio. Ela ficou sozinha outra vez.
Morreram também seus irmãos.
E Lydia, sua mãe, deixando-a ainda mais só.

Em troca a vida e o tempo lhe deram netos.
Marina, Chico, Pedro, Lucas e eu.
E nós nos amamos desde o primeiro instante.
Ela já não se lembra, mas eu...

Um dia o tio Sérgio voltou para o Brasil
(ele morou anos nos EUA) e ajudou a vovó
construir uma casa, grudadinha na casa dos meus pais.
Moramos a vida toda juntas até eu crescer e
bater em retirada para São Paulo.
É por isso que em todas as minhas recordações ela está.
Que mesmo sem aptidão para alegria dentro de casa,
fez de mim a criança mais feliz do mundo ali naquela sala.
Naquele quintal.
Ali, no nosso sofá.

5 comments:

Lari Reis said...

Luiza, eu chorei.
A história da sua Vó não é mesmo muito feliz, mas minha emoção não é fruto de tristeza.
Achei lindo o que você escreveu. Achei lindo saber que, apesar de tudo, você conseguiu ver nela sua felicidade. Espero que ela habite suas lembranças sempre e que você sempre se sinta feliz por isso.

E você também me deu essa ótima idéia de buscar saber mais da vida dos meus avós e até de meus pais. Quem sabe um dia eu conto uma história!

Um BEijo;*

Line said...

Em uma palavra: MARAVILHOSO!

eu que sempre bisbilhoto por aqui, amo quando você escreve se sua vovó!

bjim :)

Fernando Luna, Serena e Radija said...

que história linda, apesar de triste; fiquei emocionado!
adoro ler as histórias da sua Nona!!!
bjs;)

cecilia said...

também gostei, apesar de triste :)
você tá na galeria aos finasi de semana também? vou arrastar o renato pra tomarmos o café e eu aproveito e dou uma olhada nas balonês!
beijos.

Lari. said...

Lindo é pouco,muito pouco...
Gostei demais da história e do "final feliz".As avós existem para nos fazer melhores,felizes e vice-versa.Deve ser como uma missão...e eu agradeço,pois a minha vovó tb sempre fez parte de minhas mais belas lembranças.
Beijo,Luiza!