Thursday, April 09, 2009

Quem disse que a vida não é um filme?

Cena Interna
Estúdio - casa
Ela está em pé na cozinha de frente para pia cheia de louças.
Ele deitado na cama, no quarto que é bem em frente
a cozinha o que permite um diálogo entre eles.

Quase meia noite.
Ele exausto diz que precisa descansar.
Ela exausta diz que precisa fazer o bolo que havia planejado.

_É meu presente de Páscoa!
_Ta bem.
_Mas você vai dormir?
_Preciso deitar.

Ele parece chateado.
Ela também, mas na verdade só estão cansados.
Ela acha que precisa terminar a receita.
Como, se não terminar significasse imenso fracasso.
Então, para não fracassar manuseia os ovos, a farinha e
as cenouras raladas com habilidade e pressa.
Liga o liquidificador que faz barulho.

Ele grita do quarto:
_Nossa, os vizinhos devem estar adorando!
Ela o ignora.
_Quer conversar?
pergunta ela à ele que responde em tom de ironia
_Quero dormir.
_Ahhh que pena! Eu queria tanto conversar.
_Ta bem.
Ela sorri olhando para ele que se esconde
por debaixo do edredon branco.
_Sabe, tenho umas dúvidas à nosso respeito.
_Xiii... Lá vem a "possibility girl".
Ela nem olha para ele, continua fazendo seu bolo.
Ele pergunta meio sem animação
_Quais?
_Ahhh, quer saber?
_Lógico!
_Mas nem eu sei.
_Não sabe quais dúvidas tem?
_Não, mas eu as possuo!
_Então pergunte-me e eu te respondo,
assim as dúvidas acabarão.
_Mas eu não sei o que te perguntar.

Silêncio.

_Na verdade já sei. A pergunta é:
toda vez que você fica em silêncio,
me olhando, é porque concordas com que estou dizendo?
_Ah, acho que sim.
_Então você não tem dúvidas?
Neste instante, ela para de olhar para a tigela onde prepara
a massa do bolo e olha fixamente para a cama onde ele
está invisível.
Ela olha para o amontoado de travesseiros
ansiosa esperando que ele lhe dê a resposta.

_Dúvidas quanto a nós? Não. Não tenho.

Ela se agita sozinha na cozinha e caminha até a porta do quarto.

_Então você compreende tudo o que falo?
Quer dizer, você acha que tudo o que eu falo
é na verdade tudo o que penso?
_Assim espero...
_Mas eu falo muito!
_É Luiza... Eu sei.
_Não sabe não.
_Ta bem, então não sei.
_ Somos muito diferentes. Somos de mundos diferentes!

Ela diz isso voltando para o interior
da cozinha de costas até o fogão.
Abaixa-se, liga o forno ouvindo ele dizer:
_Mas a graça está aí.
_Eu também acho engraçado, mas não sei...
_Não sabe o que?

Ela volta para tigela, liga a batedeira
e ele repete a frase acrescentada de uma única palavra
que faz uma incrível diferença:
_Nossa, os vizinhos devem estar adorando, amor!

Ela sorri e faz a próxima pergunta bem alto
pois a batedeira produz um barulho realmente insuportável.
_Mas não há nada que você ache estranho em mim?
Algo que te incomode?
_Acho que você está incomodando os vizinhos...
Ela ignora de novo este comentário dele.

Ele demora mais de um minuto para responder
a pergunta fazendo com que ela
quase prefira que ele não responda.

_Algo que me incomode?
Bem, te acho às vezes triste demais.
Às vezes, tímida demais.
Mas eu gosto disso também.

Silêncio.

_Gosta desse incômodo?

Silêncio.

Ela então percebe que ele adormeceu.
Termina de fazer o bolo calada.
Deixa a cozinha toda revirada,
cheia de farinha e açúcar por todo lado.
Apaga a luz e vai se deitar.
Mas não consegue dormir.
Abalada por seus excessos.

Me indica uma trilha?

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