Sunday, July 26, 2009

domingo

Chegou ao apartamento.
Fazia mais de um ano que não botava os pés lá.
Apertou a campanhia.
Seguiu um voz cansada.
Gritada sem força nem ânimo:
_Entre.
Abriu a porta e enxergou sua avó de cabeça baixa,
descalça, sentada em uma das cadeiras da sala de jantar.
_Cadê sua tia? Por que ela não veio me buscar?
_Oi Vó, eu pedi para vir no lugar dela.
Para te fazer uma surpresa.
_Ah.
Um silêncio monstruoso tomou conta do ambiente.
Abaxou-se sob os pés dela e começou a colocar delicadamente
as meias nos pés. Inchados. Depois, calçou-lhe os sapatos.
Com dificuldade. Fez uma graça, uma piada, mas
sua avó, especialmente naquela manhã, não estava para gracinhas.
Os olhos se cuzaram vagarosamente e tímidos.
Quando deu conta, as duas olhavam de novo para baixo.
_Como tens pés pequeninos vó?!
_36 como os seus.
Olharam-se novamente.
Rápido.
E pela primeira vez se enxergaram de fato.
Cruas, com suas verdades.
Não se desgrudaram.
Os cílios se mechiam pedindo calma e socorro.
Ao mesmo tempo.
As mais siceras desculpas.
Sentia-se mal.
Por todas as não visitas do ano.

Não era um habito preocupar-se com ela.
E depois que soube que ficou doente, não podia mudar
de comportamento. Vovó não gostava de ser paparicada
assim só de vez em quando. Ou se é sempre ou nunca!
E à elas faltava intimidade para isso.
Não pode telefonar para dizer o quanto sentia.
Percebeu que nem seu número possuía.
E aquela senhora debilitada que não
mais conseguia calçar o próprio sapato, era sua avó.
À quem pelo menos há vinte anos
não dava satisfação alguma.
Nunca mais havia saboreado a sardinha frita,
o cuscuz e a dobradinha.
Como se estes pequenos prazeres tivessem perdido
a importância com o tempo. Ficaram na infância dela.
Por isso ela sentia culpa.
Enquanto a avó talvez nem se importasse. Não percebesse.
Distraída com os outros netos e bisnetos.
E os problemas com o apartamento na Praia Grande.
Mas era manhã de um domingo e o encontro
entre elas pesou-lhe sobre os ombros.
Estendeu a mão.
A avó segurou firme em seu braço.
Levantaram-se. Uma apoiando na outra.
Seguiram o mesmo caminho.
Dessa vez num silêncio tranquilo.
Não era preciso dizer nada.

4 comments:

Fernanda Sbragia said...

sempre bons textos hein Lu.

beijinho,
FS

fabio menezes said...

LINDO!!
tocante mmo!
parabens!!
é real...digo aconteceu com vc...quer saber, naum preciso saber!!
pra mim é verdade!
rs

sorte na vida!
abs GRANDE

Paty L. said...

Adorei.
Assim eu realmente sinto emoção dentro de mim com a relação que eu tenho com a minha vó que tem mal de Alzheimer, sinto falta dela mesmo viva porque ela realmente não consegue lembrar de mim.

Adorei a história, ficou linda e emocionante (:

Fernanda Sbragia said...

lu, não tá afim de fazer um bazar?
bj